Nota de Conjuntura #28: A bola está com o governo
A principal pergunta no interior do campo progressista é como neutralizar a influência da extrema-direita na consciência das massas trabalhadoras. Muitos sugerem a necessidade de um longo trabalho educativo de caráter civilizatório, capaz de forjar uma consciência política impermeável a essa influência, acompanhado da formação de uma frente democrática. Em resumo essa concepção conclui que a ascensão da extrema-direita se deve a uma falta de ilustração do povo. É uma concepção elitista que ignora a situação real da classe trabalhadora brasileira e suas demandas por reformas de caráter igualitário, menosprezadas pela classe dominante e seu sistema político.
A potência do discurso conservador se aproveita da destruição do tecido social causada pelo ultraliberalismo. É o desemprego, os baixos salários, a péssima qualidade dos serviços públicos, a destruição dos mínimos direitos sociais, etc., com o consequente ressentimento e desesperança, quem aumenta a audiência do discurso proto-fascista. Neutralizar sua influência exige enfrentar as políticas de ajuste ultraliberal e abandonar a ideia de que o horizonte da esquerda é gerir de maneira “humanizada” um capitalismo que exclui as massas trabalhadoras de qualquer ganho material significativo.
Orientados por essa concepção de que faltaria ao povo consciência democrática e ilustração intelectual, setores progressistas se perguntam se na atual conjuntura haveria espaço para o governo aplicar uma política que enfrente a agenda ultraliberal. A pesquisa divulgada semana passada pela Genial-Quaest mostra que no universo dos pesquisados, o governo conta com apoio significativo para emplacar uma agenda mínima de importantes mudanças econômicas.
Ainda que haja uma sensação de piora no quadro econômico e de diminuição do poder de compra, a popularidade de Lula cresceu. A causa desse paradoxo talvez seja o fato de Lula ter se exposto e se posicionado de maneira mais enfática sobre questões importantes na conjuntura. Sua crítica à política de juros do Banco Central é apoiada por 66%; a defesa do aumento do salário mínimo acima da inflação por 90%; e a ideia de que o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres, é apoiada por 67%. Entre os eleitores de Bolsonaro, 51% concordam com as críticas de Lula à política de juros do Banco Central. Ainda que não tenha sido objeto da pesquisa é possível que a posição do governo, especialmente de Lula, contra o “PL do estupro” e a Emenda Constitucional que privatiza as praias, ambas apresentadas pela bancada de extrema-direita, alvo de grande rechaço popular, tenha ajudado.
Diferente do que certa esquerda ilustrada tenta apresentar, a pesquisa mostra que não se sustenta a ideia de que a consciência popular estaria tomada em termos absolutos pelo conservadorismo. Como tudo numa sociedade dividida em classes, a consciência da massa trabalhadora, num cenário de refluxo da luta de classe, é marcada por contradições. A tese do “pobre de direita”, defendida por setores progressistas é não só arrogante e preconceituosa, como justifica políticas de governo marcadas pelo esforço da conciliação de classe.
O resultado da pesquisa revela a existência, no seio do povo, de importantes reservas de apoio popular ao governo, quando este se posiciona em pautas contrárias ao liberalismo econômico. É importante destacar que esse apoio se situa nos estratos mais empobrecidos da massa trabalhadora: pessoas com renda familiar de até 2 salários mínimos (69%); entre os nordestinos (69%); entre os pardos e negros (59%).
A neutralização da influência da extrema-direita depende de se avançar numa pauta de melhoria das condições de vida do povo. Para isso, o governo precisa transformar o discurso crítico em ação concreta, o que até agora não vimos. Exemplo está no anúncio de corte de R$ 26 bilhões programados pelo governo no orçamento de 2026, após semanas de embate com Campos Neto por causa da política de juros do BC.
A bola está com o governo. Há espaço político para enfrentar o campo liberal-fascista. Mas depende dele a sinalização de que é preciso lutar contra o “mercado” e mobilizar sua base social de apoio para lhe dar sustentação.
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